quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Os valores de nossa juventude

por Nadja do Couto Valle* - Pelos Caminhos da Educação, Ano 8 - nº 71 - 15 de abril de 2009



Educação é, a rigor, processo de transmissão de valores. Valor é tudo o que é desejável, e não apenas o que é desejado. Há valores biológicos, econômicos, estéticos, morais, religiosos e assim subsequentemente. Nossas crianças e jovens assimilam os valores que temos verdadeiramente e que determinam nossos atos e palavras, e não aqueles que apenas declaramos. Mas há outras fontes de transmissão de valores, como os grupos que frequentam, a sociedade de modo geral. Por isso às vezes pais se surpreendem, quando constatam que seus filhos agem de uma certa maneira, contrária ao que a família pensa e transmitiu a eles, e isso se deve, muitas vezes, ao fato de que a família e a escola não discutiram com eles os valores presentes em várias situações de vida, inclusive na mídia, nas suas relações interpessoais e assim por diante. De vez em quando é bom revisitarmos o quadro de valores do grupo amplo de nossa juventude, para inclusive cotejarmos com o que temos em casa e na escola. É frequente vermos confirmadas nossas observações. Vejamos se é este o caso, no momento.


Faz algum tempo, a Pesquisa Brazilian Teenage Go Global, da Jaime Troiano Consultoria de Marca identificou os sete principais valores da juventude de hoje:

1. Individualismo. O jovem estabelece inúmeros compromissos tênues, algo difusos, mas está distante de utopias e projetos coletivos. Eles nitidamente não têm a intenção de romper com o sistema, como fizeram seus pais, nem consideram "feio", como estes, consumir ou desejar dinheiro, sucesso econômico. Hoje eles não têm problema em ser ambiciosos na direção de carreiras rentáveis, e adoram conforto! Os pais queriam transformar o mundo, mas seus filhos hoje estão muito contentes com ele, com seus equipamentos, ipods, celulares que fazem praticamente tudo, informática, computador, robótica etc. etc.

2. Hedonismo. Revelado na busca frenética do prazer e de auto-satisfação. A questão suscita várias angulações para análise, o mais evidente sendo o culto ao corpo, mas há outras facetas dessa postura, como por exemplo "garantir" condições para poderem desfrutar/continuar a desfrutar de certas facilidades, entre as quais inclui-se o pagamento de contas, e dentre elas as da academia. Como querem "ficar numa boa", não têm problema em adiar o que para seus pais era quase um dever, já nessa faixa etária, qual seja, o de morar sozinho. Hoje preferem permanecer em casa dos pais, mas aqui também há um inegável viés de natureza econômico-financeira, que deflagrou esse fenômeno em nível mundial: mesmo homens maduros estão preferindo ficar na casa dos pais, e valer-se de uma série de facilidades e confortos que de outra forma seria praticamente impossível usufruírem se tivessem que bancar tudo. Podem até querer isso, sair de casa, morar sozinhos, mas não se "matam" para alcançar esse objetivo, pelo menos a curto - ou até mesmo médio - prazo.

3. Conservadorismo. O indivíduo cresce no sistema e não promove rupturas, mas consome a transgressão dos outros como espetáculo. Alguns estudos revelam que eles fazem planos até mesmo com maior empenho do que seus pais o fizeram, mas a diferença está exatamente nas metas, que são agora mais pessoais, nos interesses que agora não mais sofrem restrições de valores das "tribos" como acontecia na época de seus pais. Outra diferença está na precisão com que traçam suas metas: enquanto as de seus pais eram mais difusas, as dos jovens de hoje são delineadas em cenários, de forma explícita, com projeção de até cinco anos, algo impensável por seus pais nessa faixa etária, como ter filhos, ter casa, onde vão morar e assim por diante, embora nem sempre estejam com tanta pressa para realizar esses planos. A esse propósito, vale relembrar que esse desejo de sair de casa não chega a ser um projeto consistente, eles pensam nisso, mas ... sem pressa! Embora continuem a reclamar dos pais, porque continuam os conflitos de gerações, isso ocorre muito mais pela necessidade de marcar posição, por fazer parte da atitude contraditória e "questionadora" da idade do que por outros motivos. Já vimos que eles não querem mudar o mundo nem sexual nem politicamente, tampouco fazer uma revolução, como sonhavam seus pais nas décadas de 60 e 70. Querem ganhar um bom dinheiro com seu trabalho. Segundo o maior estudo de hábitos e atitudes da população adolescente brasileira, realizado pela empresa de consultoria Research International, revelaram-se conservadores, com relação aos valores familiares, apesar de considerarem os pais "ridículos".

4. A "vida em videoclipe". É tudo muito rápido, são muitas as atividades e preferências, às vezes simultâneas, o que os leva a dedicar pouco tempo a cada uma delas. E assim "pulam" de uma para outra coisa, o que lhes imprime um certo superficialismo e aligeiramento no fazer e no pensar as coisas, inclusive no que diz respeito a certos aspectos da própria vida. É quase uma compulsão frenética, para atender a tudo e a tempo, porque hoje, admitimos, as coisas andam mesmo muito mais rapidamente do que em outros tempos, mesmo recentes. Até adultos estão hoje bastante contingenciados por esses parâmetros de velocidade, que no entanto não deve ser vivida como pressa: as coisas podem ser urgentes, mas não devem ser conduzidas de forma apressada. Admitimos que não é fácil transmitir isso a nossas crianças e jovens, até porque para nós, adultos, muitas vezes isso também se torna difícil.

5. Diluição de hierarquia. Muitos chegam a espantar-se com a facilidade com que os jovens hoje descartam formalidades diante da autoridade estabelecida, fazendo questão de manifestar opiniões e marcar posição. Essa "independentização" tem seu lado positivo, mas é necessário aos professores, pais e educadores de um modo geral estabelecerem limites para a manifestação desses arroubos, sob pena de essa falta de limites descambar para o desrespeito às pessoas e às normas - apesar de eles não desejarem ir contra o sistema. Mais uma incoerência bem própria dessa fase da vida. Isso se torna mais facilmente perceptível, para citarmos apenas dois exemplos, em nível lingüístico, com o uso de palavras e expressões antes não "sancionadas" pelo padrão de relações estabelecidas em sociedade e em família, e também no plano do vestuário - que aliás sempre foi um campo propício para o extravasamento do chamado "espírito rebelde da juventude", ou seja, tratar o corpo como um espaço para a transgressão de modelos de vários tipos e níveis.

6. Culto ao corpo. Práticas esportivas e dança são as atividades mais cotadas para valorizar o corpo como veículo de sedução e como suporte de múltiplas e eventualmente excessivas atividades. Ao mesmo tempo, não exploram a possibilidade de usar o corpo para deslocamentos, comuns para todos, e até mesmo explorar o mundo com mais autonomia. Hoje, por exemplo, muitos adolescentes não sabem sequer tomar um ônibus, quando seus pais, com essa idade, tinham mais condições para tal. É certo que muitas vezes os próprios pais criam essas condições inibidoras para os filhos ou porque querem que tenham muito mais conforto do que eles próprios tiveram - e por isso as crianças andam apenas de carro dos pais ou do transporte escolar, ou por medo de exporem os filhos a perigos que hoje assolam sobretudo as grandes cidades.

7. Capitalismo. O jovem deseja o poder econômico e tem prazer em consumir tudo o que o mundo oferece, sem culpa. Aqui permanece um grande desafio para professores e pais, e educadores de um modo geral, no sentido de disciplinar o desejo, de esclarecer a respeito: a) das relações humanas generosas, que devem perceber que o que sobra para alguns certamente está fazendo falta - e muita - para outros; e b) das implicações que o consumismo desenfreado traz para o meio ambiente, cabendo portanto a tarefa de ajudar essas gerações a criar uma consciência ecológica. A rigor, o esclarecimento cognitivo a esse respeito está em franco progresso, o que é muito bom, mas ainda demanda ações no sentido de executar o que sabemos ser necessário fazer, por já conhecermos as soluções - e isto vale para todos nós. Professores e pais devemos nos empenhar em dar exemplos quanto às relações entre consumismo e degradação do meio ambiente, e ao uso disciplinado dos recursos naturais que, como estamos suficientemente informados, não são inesgotáveis, e isso a partir de nossos hábitos cotidianos, em casa, na sala de aula e na escola, no clube, na cidade - enfim, em toda parte. Como educadores devemos transmitir o cuidado com o meio ambiente como um valor superior, como o propõem o filósofo Edgar Morin, os cientistas, e os ambientalistas de um modo geral. Esse movimento está-se difundindo cada vez mais no mundo inteiro, e nesse particular temos esse suporte para as nossas ações educativas nesse sentido. Nesta época, podemos inclusive aproveitar o 22 de abril, o Dia do Planeta Terra, como poderoso elemento de incentivação nesse processo cada vez mais necessário, e em caráter de urgência. É mais tarde do que pensamos. Vamos em frente, no processo de amorização para com nossa Casa Planetária!

Sempre bom lembrarmos que a escala de valores vai-se alterando à medida que vamos vivendo, agindo e interagindo, e que também com nossas crianças e jovens isso acontece, como aliás todos já devemos ter constatado. De outra maneira, seria inútil o processo de Educação, pois de nada adiantaria a (re)orientação das mentes infanto-juvenis em direção aos valores eternos do Bem, da Moral e do Saber com Sabedoria. Continuemos a alimentar a confiança que de nós merecem nossas crianças e jovens, e acompanhemo-los, com amor e discernimento, nessa fascinante aventura de viver e acolher, internalizar, rever e trabalhar valores em sua escala pessoal, e intransferível.

*Nadja do Couto Valle é Doutora em Filosofia, Mestre em Educação, Professora Universitária, Ex-Diretora do Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Fonte: http://www.educacaomoral.org.br/reconstruir/pelos_%20caminhos_%20educacao_edicao_71_os_valores_de_nossa_juventude.htm



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