Um amigo perguntou: – Os Espíritos que orientavam Kardec, ao
escrever O Livro dos Espíritos, eram, porventura, representantes do sindicato dos
patrões? – Não estou entendendo… – É o que imagino ao ler a questão 683, de O
Livro dos Espíritos. Pergunta Kardec: Qual o limite do trabalho? Responde o mentor:
“O das forças. [...] a esse respeito Deus deixa inteiramente livre o homem”.
Isso é regime de escravidão. Trabalhar até o limite das forças! A indignação de
meu amigo resulta de uma interpretação equivocada dessa questão. Quando o
mentor diz que o limite do trabalho é o das forças, não se reporta à atividade
profissional especificamente, mas às nossas atividades de um modo geral, no dia
a dia. Somos um dínamo-psiquismo, dotados do pensamento contínuo. Não paramos
de exercitar a mente, nem mesmo quando dormimos. Os sonhos são resíduos de
nossa atividade durante o sono.
O trabalho, no sentido usado pelo mentor, está representado
pelo esforço em disciplinar a mente, mantendo-nos sempre ativos, interessados
em aprender, em desenvolver nossas potencialidades criadoras. Qualquer
trabalho: varrer uma casa, cuidar de uma criança, preparar uma refeição,
escrever um livro, ou criar um programa de computador, disciplina o cérebro,
favorecendo a aquisição de conhecimentos e experiências que promovem nossa
evolução. Todas as realizações humanas, no campo individual e coletivo, sempre
envolvem o esforço disciplinador do trabalho.
Com o desenvolvimento dos recursos tecnológicos, a
tendência é haver uma progressiva redução da jornada de trabalho profissional.
Há empresas na Europa e nos Estados Unidos com expediente de
segunda a quinta-feira. O profissional desfruta de três dias de folga. O
problema está no que fazer desse tempo subtraído à jornada profissional,
evitando cair na ociosidade, ou em não fazer nada. Imperioso recordar que o trabalho,
além de disciplinador, tem características saneadoras. No atual estágio de
evolução, se ficamos ociosos, mente desocupada, damos livre curso às nossas
tendências inferiores e acabamos comprometidos por vícios e desregramentos. Daí
o velho ditado: Mente vazia é forja do demônio. O pensamento ruim chega sempre
quando não temos o que fazer, porquanto como estamos longe da angelitude,
prevalecem em nós impulsos próprios da animalidade primitiva de onde viemos. Em
hospitais psiquiátricos há a praxiterapia, em que se oferece ao paciente a
oportunidade de realizar algum trabalho, com o propósito de pôr ordem em sua
casa mental, o que o ajuda a recompor-se.
Portanto, caro leitor, quando o mentor espiritual informa que
o limite do trabalho é o das forças, não pretende que trabalhemos
profissionalmente naquele ritmo da Revolução Industrial, no século XVIII,
quando era comum a jornada de trabalho de 12 a 16 horas, com operários
laborando até a exaustão.
Pretende que reservemos o tempo que nos sobra nas atividades
profissionais e familiares para o empenho de aprender sempre, que alarga os
horizontes de nosso entendimento, e para a aquisição de virtudes evangélicas,
que estreitam o espaço para a animalidade primitiva. Somente assim evitaremos o
comportamento instintivo, divorciado da razão que complica a existência, e
conquistaremos aquela riqueza que, segundo Jesus, as traças não roem, nem os
ladrões roubam… Uma riqueza formada pelas aquisições espirituais, no campo da
Verdade e do Bem, patrimônio inalienável que nos sus- tentará o equilíbrio e a
paz onde estivermos, na Terra ou no Além.
Fonte: O Reformador, abril 2012, pág.14